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Se é difícil viver da arte, quase impossível é viver sem ela


"Cultura também nos ensina o conceito de ética, de moral, de sociedade, de bem comum".

Nascida em Campinas (SP), a artista plástica Lu Mourelle morou fora do país durante vários momentos da vida. Filha de executivo de uma multinacional e de uma artista plástica adepta ao realismo, Lu, de início, optou por seguir os passos do pai.


Publicitária de formação, começou ainda jovem, a trabalhar como vendedora de loja até chegar ao negócio da indústria têxtil. Foi do ramo das vendas ao da moda de luxo internacional, no qual trabalhou por 25 anos. Colaborou com grandes nomes da área como: Salvadore Ferragamo, Dormeuil, Loro Piana, Valentino, Paul Smith, Maximo Dutti, Zara, Burbery, entre outros.


Intimidada pelo grande talento de sua mãe, por anos, Lu deixou sua veia artística adormecida. Porém, no auge de seus 40 anos, chegou à conclusão que o mundo da moda “mais a exauria do que dava prazer”. Foi quando voltou aos rabiscos como hobby e de repente entraram as cores e as telas. Como executiva, não sabia levar nada pela metade, e uma vez enfrentando a pintura de frente, decidiu encará-la profissionalmente com a seriedade e a dedicação necessária.


Começou a estudar e a investir em viagens e em exposições de início de carreira. Até que surgiu o convite para ingressar no corpo de membros da Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa. Mudou-se de país, mas não de objetivo: ela queria o mundo! E lá foi em busca dele.


Em entrevista ao site Artemídia, Mourelle fala sobre sua carreira e os principais motivos que a fizeram deixar o país, e traça um panorama sobre as diferenças culturais entre o Brasil e a Europa.



Artemídia: A grande massa brasileira não tem o hábito de consumir produtos culturais voltados para as artes plásticas. A que você atribui essa situação?


Mourelle: Acredito ser uma conjunção de fatores. E se falando da grande massa e, não de uma pequena minoria, podemos citar: a educação inexistente relativa às artes desde a base. Com isso cria-se a falta do hábito tanto da apreciação quanto do consumo em si, já que uma coisa leva a outra. O não reconhecimento da profissão com a dignidade e importância que lhe é cabida (canso de escutar: - Ah, você é pintora? Que bacana! Mas trabalha em quê?). Podemos falar ainda da atual situação econômica do país, das políticas governamentais excludentes ou mínimas dedicadas a esta área da produção cultural; o próprio mercado da arte que com suas particularidades, acaba muitas vezes por elitizar sua difusão. Enfim, são muitos fatores, que aliados, desencorajam muitos talentos a investir nesta profissão.


Artemídia: Quais medidas poderiam ser tomadas pelo governo para incentivar os brasileiros a se interessarem mais pelas artes plásticas?


Mourelle: Seria necessário, antes de tudo, uma mudança profunda no sistema de educação. A cultura precisa ser entendida como um item fundamental à vida e não como algo supérfluo que no primeiro aperto é logo o quesito a ser riscado das prioridades. Entenda, aqui não falo só de artes plásticas, mas de cultura mesmo, no sentido amplo e geral da palavra. Um povo culto é um povo que pensa, que encontra soluções inteligentes para suas necessidades. No Brasil a pasta de Cultura, se é que ainda existe na prática, é a que mais sofre cortes e está sempre à mercê de ser extinta. Cultura também nos ensina o conceito de ética, de moral, de sociedade, de bem comum. Enquanto esses conceitos não forem entendidos, não há fórmula mágica para o crescimento de mercados e de sociedades. Da maneira que estamos não chegaremos à lugar algum. Nunca. Estaremos amarrados a cabrestos e, pior, ligados a um poder exercido por pessoas, que em sua grande maioria, são egoístas e egocêntricas, seja de que partido for. No Brasil, pouco se fala do conceito de ‘País’, mas de interesses pessoais sobrepujando o interesse coletivo. Estamos doentes, muito doentes. Não acredito em mudanças a curto prazo, até porque as mudanças necessárias seriam doloridas. Mexem com hábitos arraigados e, é necessário antes de tudo que a população entenda que desta maneira seremos sempre um país pouco desenvolvido. É preciso querer mudar e não vejo essa mobilização social. Vejo muitos culpando só o governo, sua ineficiência, a corrupção, mas no dia a dia, quando precisam agir, também tentam usar a velha lei de Gerson. Assim não se conserta nada. A educação é a base de tudo.


Artemídia: Para um artista plástico iniciante, as chances de sucesso são maiores no exterior?


Mourelle: Iniciante ou estabelecido, as chances de sucesso de um artista no exterior dependem de muito, muito trabalho. É um erro achar que pelo simples fato de se mudar de país haverá garantia de sucesso. Não basta só ter talento. O mercado das artes é cheio de particularidades e exige muito planejamento para se sobressair em meio à multidão. Mas há uma grande diferença: na Europa, dependendo do país, artistas conseguem viver da arte se realmente as coisas começarem a dar certo. A profissão é reconhecida. Há países com mercados mais aquecidos, como Alemanha, França, Inglaterra e, fora da Europa, Estados Unidos e China. Se o artista quer sair do Brasil, é preciso saber escolher para onde. Mas, no geral, mesmo nos países europeus menos favorecidos, a mentalidade é outra. As crianças já ‘nascem’ frequentando museus e galerias. Faz parte da cultura, do aprendizado. Ontem (domingo de Páscoa) estava andando por Luxemburgo, onde vou participar de um Salão de Arte Contemporânea e, ao dar uma volta pela cidade, me deparei com um prédio onde todos os seis andares da garagem eram destinados à exibição de Arte Contemporânea, cada andar assinado por um artista. Este é só um exemplo. Em outros países é comum vermos exposições em passagens, galerias de metrô e espaços públicos. Antes que pensem que os espaços são trocados por simples divulgação, não! Os artistas são pagos para exibir seus trabalhos e todos ficam intactos, sem nenhum vandalismo ou degradação. Volto para a questão educação.


Artemídia: Você acredita que seu nome e/ou suas obras sejam mais reconhecidos na Europa do que no Brasil?


Mourelle: Acredito estar fazendo um bom trabalho. Tenho sido incansável, persistente. Me mudei de país em busca de conhecimento e desenvolvimento em minha área de atuação. Este não é um trabalho que se desenvolve de uma hora pra outra, nem que há retorno imediato, mas começo a perceber que os frutos plantados estão começando a florescer. Ainda há muito por fazer e sempre haverá, mas sim, aqui o reconhecimento tem sido mais explícito. E, com o bom resultado aqui, a receptividade no Brasil aumentou. Aí chegamos naquele assunto: o brasileiro só dá valor ao que é de casa depois que se é aceito e faz sucesso no exterior. É uma pena. Temos imensos talentos nacionais que não têm a oportunidade que estou tendo e, por isso mesmo, passam a vida num ostracismo forçado.



Artemídia: Muitos acreditam que esse mercado é muito elitista e que somente os mais abastados têm a oportunidade de conviver com obras de arte. Em sua opinião, essa questão procede?


Mourelle: Veja bem, antes de tudo vamos definir o que é obra de arte. Você pode muito bem ter uma excelente pintura ou escultura, executada com grande qualidade técnica e, estas peças não estarem inseridas no mercado formal da arte por inúmeros motivos. Nem por isso ela deixa de ser uma obra e seu autor um artista, portanto, há produção artística para todos os níveis de bolso. O que existe, como em qualquer outro mercado, é a setorização, categorização de cada artista e suas obras dentro deste mercado, assim como existem os restaurantes estrelados, os fast foods, os carros de luxo e de última geração contra os populares e por aí vai. No mercado dito elitista, sim, se cria uma aura em torno do artista. Há muito investimento envolvido. Portanto, acho que já existe esta divisão. Há os artistas mais populares, os de baixo custo e os que foram elitizados. Há mercado para todos.


Artemídia: Quais as chances um artista independente – que hoje, exponha nas ruas, por exemplo – teria de chegar ao mercado internacional?


Mourelle: Difícil. Muito difícil. Quase a mesma chance de se ganhar na loteria. Neste caso se está esperando pela grande sorte, um milagre, daqueles que acontecem de um para um milhão. Espera-se ser descoberto por um mecenas, um grande galerista, uma grande empresa e que este (a) resolva catapultar a carreira deste artista. Não é o que acontece com a esmagadora maioria dos que vivem desta profissão. Veja bem, como em qualquer outra profissão, quando se almeja especialização, destaque, maiores remunerações, também se fazem grandes investimentos, estudos e preparações. Não é mágica. É trabalho, dedicação, esforço, abnegação. Fico muito brava quando ouço artistas se colocarem no patamar de deuses, como que tivessem poderes especiais pelo simples fato de executarem bem (ou não) aquilo que se propõem. Não! Artistas são trabalhadores e devem se comportar como tal. Trabalhar, trabalhar e trabalhar mais um pouco com muito afinco. Se forem muito bons, que consigam sim alcançar seus objetivos e todos os mercados possíveis.



Artemídia: Você pretende em algum momento voltar para o Brasil e concentrar suas exposições aqui?


Mourelle: Não. Pelo menos a curto e médio prazo, não. Na Europa as condições são mais favoráveis no contexto geral, então ficarei por aqui, o que não quer dizer que eu tenha abandonado o Brasil. Tenho o compromisso comigo mesma de expor pelo menos uma vez por ano no meu país, e assim estou fazendo desde que estou fora.


Artemídia: Você tem dicas para quem está começando na carreira?


Mourelle: Arte é um estado de espírito e quem opta por ela geralmente a traz na alma. Se é muito difícil para um artista viver da arte, quase impossível é viver sem ela. Mas há um lado prático que precisa ser muito bem pensado. Talvez, se as condições iniciais não permitirem, o artista será obrigado a viver esta profissão parte do tempo e ter alguma outro ‘job’ que garanta sua sobrevivência, até que consiga se estabelecer.


Artemídia: Você incentivaria essa profissão?


Mourelle: Um milhão de pessoas podem dizer: nem comece! Imagine, não, nunca! Eu digo sim, antes de começar que avalie muito bem a situação. Esta é uma profissão cara. Nossos materiais exigem constante reposição, os estudos são ‘Ad aeternum’ (o que na maioria das vezes também significa um investimento significativo), a manutenção da carreira também é onerosa. Deve-se trabalhar demais e não esperar o ‘tal milagre’. Uma vez consciente de todas essas características, se mesmo assim ‘o chamado’ pela arte for mais forte: vá em frente! Crie suas condições e vença! É um grande prazer e traz, sim, muitas realizações. A arte está me dando o mundo, algo com que sempre sonhei e também a possibilidade de escrever ‘Mourelle’ na história, de uma maneira que eu sendo a ‘Lu’ que fui, durante 25 anos, em outra profissão, não teria conseguido. E digo, não teria porque não faria diferença em algo que só fazia para ganhar dinheiro e sobreviver. Na arte há minha essência, meu eu, minhas verdades e meus monstros.


Artemídia: Teria escolas ou instituições para indicar?


Mourelle: Sobre instituições, na verdade, sou adepta do estudo constante. Procure no local onde você habita os locais reconhecidos ou bons profissionais independentes que possam servir como mestres. Com o passar do tempo e as direções da vida, vale o mesmo: instituições sérias e estabelecidas nos locais onde se pretende atuar. Ao final da vida você terá passado por lugares fantásticos e cruzado com profissionais inesquecíveis.


Todas as imagens contidas nesta entrevista pertencem ao arquivo pessoal da artista.

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